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Mostrando postagens de novembro, 2019

Ikai - Parte 10

    - Para onde vai me levar? - perguntou Xátria.     Ponderei por um tempo indefinido, observando os olhos robóticos logo acima do corte brutal, que revelava mecanismos onde deveria haver nariz e boca de silicone, na cor azul.      - Não conheço bem a Nuvem. Pensei que pudéssemos explorá-la.     Os olhos de Xátria revelaram outra dúvida.     - É a sua primeira viagem?     - Sim. As unidades Xátria são capazes de se deslocar na Nuvem? - indaguei.     - Não. Apenas eu. Eu acho.     Poderei por mais um tempo indefinido.     - Conte-me.     Xátria se ajeitou na gôndola digital, enquanto minha sombra nos conduzia. Ele observou o horizonte, apertou as pálpebras de silicone que ainda restavam, e meneou com a cabeça.     - Aconteceu antes de ser trazido para o Laboratório. Muito antes daquela coisa toda que aconteceu no necrotério. Aconteceu durante algum tempo, toda vez que meu corpo era posto em recarga, e minha mente era trazida pra cá... - sem parar de falar Xátri

Ikai - Parte 9

  Minha consciência deitou na gôndola e o Navegante me levou deslizando pela Nuvem Autônoma de Virtualidades. Por um tempo fitei meu condutor refletindo o que ele representava, e conclui que, retirada a feição construída pelo meu subconsciente positrônico com o rosto de Yudhistira, aquela sombra só poderia ser eu mesmo, minha morte, minha sombra. A lacuna de onde derivava meus ainda inexplorados sentimentos. Eu ainda não estava convencido de que conhecida tudo sobre meu passado, e o peso das dúvidas fez a gôndola ficar pesada. Nas proximidades a nuvem de virtualidades refletia minha composição mental, minhas próprias lembranças. No horizonte onde havia Fios de Ariadne outros autômatos estavam sublimados, enquanto seus corpos de metal jaziam em hibernação nas cabines de recarga. O  Navegante estendeu sua mão de sombras na direção do horizonte, indicando o mesmo fio de Ariadne que eu contemplava. A aproximação revelou que as lembranças daquele autômato em hibernação eram de algo

Ikai - Parte 8

            - Olá, ele respondeu.             - Sei o que você é. - O que eu sou? - Uma projeção da minha memória sobre Yudhistira. O rosto do meu antigo dono assentiu, acendeu um cigarro, tragou longamente, e me desafiou com mais uma pergunta. - Eu sou o espírito de Yudhistira? - Não sei. Meu antigo dono riu de mim, e entre tossidas apontou o dedo na direção dos meus olhos e continuou o desafio - Me diga uma coisa Ikai, a capacidade de raciocínio positrônica vem acompanhada de hipocrisia também? Como pode uma criatura com todas as suas capacidades computacionais e análises heurísticas dizer se não sabe se sou ou não o espírito de Yudhistira? - Você certamente é a minha memória dele. O “espírito” se ajeitou, mas então acrescentei: - Você é o que restou dele. Por qualquer motivo a minha memória de Yudhistira calculou que ele não gostaria de se ver limitado a apenas isso, uma memória; e ficou aparente em seu rosto contraído, que pareceu de repente extremame

Ikai - Parte 7

Por meses transitei pelo laboratório como um meteoro, descrevendo uma órbita excêntrica, muitíssimo distante dos demais residentes daquele sistema, mas vez ou outra perto o suficiente para estender a mão e dizer olá. Mas tal qual corpos celestes, fui me sentindo cada vez mais atraído, e em minhas peregrinações mentais e literais, acabei me tornando mais próximo dos outros. Acontece que criaturas sintéticas, tal qual corpos celestes, por natureza preferem um pouco mais de espaço, ao menos quando comparado com os criadores orgânicos, que anseiam pela colisão de corpos. No início preferia percorrer a imensidão dos salões circulares do Laboratório sozinho, olhando para o mundo verdejante de lá de fora contrastante com o branco ensurdecedor onde eu estava, e contrastando, sobretudo com o cheiro de curry, o conforto das almofadas, o prazer e a estratégia das jogadas, o perigo do cigarro. Eu contemplava e me perguntava, por que? Por que eu ainda pensava em Yudhistira, por que sentia e