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Mostrando postagens de abril, 2017

Condutor

Esta poesia foi inspirada na Divina Comédia À mão agourenta cuja torpeza faz do meu fôlego um sobressalto da manada, que entre a sístole e a diástole, finca-me profundo um espinho certeiro, a ela entrego minha alma. Entrego minhas lembranças tecidas em um pano roto,  minha leveza de vida em um sopro,  entrego-me inteiro, com duas moedas ao barqueiro. Age ligeiro, condutor do peso moral de um morto, e me leva ao julgamento -  de ser fincado nas mandíbulas da ave de rapina  em um tempo que cada segundo atropela  o outro em um recomeço, ou me leva à sentença que afasta de mim os abutres finais e me dá a alforria para um último vôo, como se fosse meu nome Orfeu, Fausto, Virgílio, ou Prometeu.

Mantra I

Você sabe mas por quê você não sente esse farejar essa baforada quente do lobo que está no seu calcanhar? Seu nome é razão é fraqueza é propósito e o nome é a presa quem dá. Não vá se lembrar no penúltimo momento que sua ética não foi a da compreensão. Não vá computar menos que sete vezes setenta vez sete porquê depois não há reparação.

Chagas (ou Carta de Amor a Kafka)

 A casca gelatinosa começou a se romper com as inevitáveis luzes. O que me dividia do mundo era fino e fértil, e quando eu rompi o ovo senti o vento cobrir meus anéis. Arrastei o corpanzil pelo chão enquanto comia, e senti que eu estava mudando. À minha volta vários voavam, mas eu ainda estava presa ao chão de carne e sangue. Eu precisava crescer, precisava ganhar asas, ganhar vontade. Sem esses poderes, eu ainda era só uma larva na carne, e a carne era a comida.   Entre os arrastares, eu aprendi sobre a vida inteira - A vida é o alimento.  Esperar era quase como dormir. Sem esperar para acordar, pois tudo o que eu conhecia desde sempre estava ali. Eu cresci gorda, como uma larva gorda, como um bebê gordo. Como se espera que cresça quem acabou de nascer. Mas eu já estava mudando.  Quando senti os olhos secos, os molhei com a língua e uma pata cavernosa. Tudo que eu via agora passava pelas mil lentes dos meus olhos. As minhas asas como rotores sônicos me impulsionavam para t

Tributo

Paga um tributo ao trovão distante E no fogo acha o alento para a noite. Na toccata e fuga faço uma tocaia,  e me escondo em um acorde fugidio. A tempestade mesclou a noite com o dia e prolongou suas gotas ao redor do fogo através da melodia.  Paga um tributo ao trovão distante E no fogo acha o alento como se a noite não fosse fria.