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Justa Causa

Minha justa causa é um luto
pelos heróis de papel que morreram,
pelos carros de brinquedo incendiados,
pelo medo de demônios
que em garotinhas se esconderam,
e pelo excesso de repetição nas palavras
achadas nas minhas posses,
em meio às que outros escreveram.

Os velhos desenhos de velhos e guerreiros com espadas estão na cruzada
de se manterem válidos e vivos
no arquivo morto do cotidiano de quem cresceu
e acumulou coisas demais na gaveta,
memórias pesadas
e coisas de menos na prancheta.
Mas são lutas crônicas cansadas.

 Minha causa justa é o nascer.
Descobrir o novo no antigo,
É reabrir o livro, e se chocar
Com as palavras cansadas de usar
É botar pilhas novas no walkman
E ouvir aquele disco favorito
E com um sorriso...
Ainda se fascinar.

As personagens que usam máscaras
Os guerreiros com espadas
As lutas na campina
O som dos tambores ao alvorecer
Tudo isso vive em mim.
Em meio a uma historia sem fim
Também derrubo meus leões no coliseu,
Tenho minhas mortalhas,
E há quem diga que não valha
Que essa era já morreu
Mas um dia pego a prancheta
E meus próprios sonhos
Me proponho a colorir...

O tempo inteiro o tempo foge entre os dedos
amarelando o passado colorido com os mesmos dedos
no trote ou na brincadeira
de tinta guache que manchou também os cabelos.
O tempo inteiro o tempo me fode por trás
e traz a saudade dos jogos em meio aos arvoredos
ou quando de manhã cedo
acordava para assistir desenhos
que me empenho em não esquecer.
Ledo engano.
Me esqueço conforme envelheço
mas registro meu descaso com o presente e guardo no peito
com luto ou luta
a volta dos dias que tenho
no meio de minutas, memorandos, mandatos e documentos
meus lampejos de sossego.

Hoje olho pelo negro túnel da ampulheta
E vejo os grãos de areia
Que caem rapidamente
Sobre os dias que vivi
Soterrando as lembranças que guardei
Corro pela garganta do Tempo a fora
Mas Cronos faminto me devora
Com a sede de engolir todo um batalhão
De sonhos e esperanças
Que refugio no coração.

Eu estou na memória, escondido
me reunindo com amigos e inimigos de tempos idos
compactuando um retorno.
Me solto por saber que 
Há cerveja e ideias estranhas
- pra consumir a repetição -
que divertem os cinzentos dias no canil de um escritório
com a coleira de uma gravata
e a ração diária de um salário já taxado.

Sem identidade pra ser
sem certidão para nascer
e de óbito pra morrer
sem bênção pra ascender
sem promessa pra se comprometer
sem chance pra se promover
sem vergonha pra cantar e dançar
sem chinelos pra proteger

- Tom Fernandes e Pedro Nogueira

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