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LUMO

A abóboda se erguia de uma lâmina de água negra e dourada até o limite da visão. Na água paralisada uma canoa esperava que alguém a conduzisse até o centro, desenhando um raio naquele círculo gigante. No centro havia uma ilhota com um vegetal brilhante que emitia sons.
A forma como a planta crescia – em simbiose com fungos e colônias de bactérias – exigia a escuridão: Seu ego era muito grande para disputar com o brilho de um sol, e por isso apenas no planetóide escuro Caronte II a planta aceitava existir.
O planetóide exterior tinha uma crosta congelada, mas que abrigava em cavernas submersas vários bolsões de ar. Nestes bolsões a vida se espalhava homogênea na forma de plantas brilhantes. O Lumo, como era chamada a planta, também existia no Tártaro, que por sua vez era uma cúpula inteligente de tecnologia alienígena. Ela havia sido criada há muito tempo, e a raça que a ergueu deixou apenas aquelas paredes ovais e douradas como herança: o único habitat artificial capaz de gerar Lumo.
Como um templo esquecido, Tártaro brilhava monumental e velho. Próximo a ele havia grutas naturais que emitiam de seus átrios o brilho de Lumo.
O viajante não sentiu medo ao quebrar o gelo. Entrou na água gelada e afundou até a porta do Tártaro, guardando as memórias no peito junto com o ar do pulmão. Ele usava um traje de mergulho, e por isso não precisava prender a respiração, mas as grutas aquáticas provocavam assombro e, sem pensar, o navegante guardou o fôlego. Ao entrar, abandonou o traje de mergulho e todas as esperanças. Saiu da água próximo à parede circular. Lá estava a canoa, que o navegante usou para chegar ao centro da abóboda.
Ao ingerir a fruta azeda de Lumo, os olhos do navegante acenderam. Ao mastigar suas folhas doces, ele compreendeu a vida inteira. No seu melhor momento, o navegante afundou nas águas escuras e encontrou velhos amigos repousando deliciosamente nas águas frias.
Lumo era a planta da Deusa Água, que perdoa os pecados dos suicidas e os dilui num descanso coletivo, alimentando as raízes do Pai.
O navegante já não sentia mais saudades. Ele estava com seus irmãos.

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